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Poder legislativo-Competência

Ao julgar prefeito, Câmara não pode inserir matérias alheias ao parecer do TCE

O Poder Legislativo não tem competência para inserir novas matérias para julgamento político das contas anuais de governo, pois a emissão de juízo técnico sobre as questões julgadas, expresso em Parecer Prévio emitido pelo Tribunal de Contas, é requisito obrigatório e indispensável.  Assim está disposto no artigo 71, inciso I, da Constituição Federal (CF/88) e nos dispositivos correlatos da constituição e da legislação estadual, os quais  estabelecem que ao Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) compete a definição do escopo da auditoria quanto à situação orçamentária, financeira, contábil, patrimonial e operacional, em atendimento às diretrizes de análise obrigatórias previstas nas Leis nº 4.320/1964 (Lei da Contabilidade Pública) e nº 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF).

Além disso, a definição do escopo da auditoria atende as diretrizes fixadas no Plano Anual de Fiscalização (PAF) do TCE-PR, realizado mediante rigoroso e periódico processo de prestação e análise de contas, com o auxílio de sistemas informatizados, o que não pode ser alterado pelo juízo eminentemente político do Poder Legislativo.

O Legislativo também não tem competência para inserir novas matérias para o julgamento de contas de gestão desses governantes, pois compete aos tribunais de contas o julgamento das contas de gestão de administradores, inclusive de prefeitos, conforme disposições do artigo 71, II, da CF/88 e normas correlatas. O julgamento pela câmara municipal, nesse caso, limita-se exclusivamente à apreciação da hipótese de inelegibilidade prevista no artigo 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90 (Lei da Ficha Limpa), nos exatos termos da tese fixada no Recurso Extraordinário (RE) nº 848826/DF do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em ambas as hipóteses, fica ressalvada a possibilidade de apresentação de Representação perante o TCE-PR para que, a critério do relator do processo, seus efeitos e impactos sejam analisados na respectiva Prestação de Contas Anual, conforme a gravidade do fato suscitado.

O julgamento de contas realizado pelo Legislativo deve observar os princípios do devido processo legal e do contraditório - artigo 5º, LIV e LV, da CF/88. Sua regulamentação é matéria interna do Poder Legislativo, que pode admitir uma forma simplificada; mas o gestor tem o direito de ser intimado para acompanhar e manifestar-se para fins do julgamento de suas contas, de acordo com o procedimento previsto em cada regimento interno.

O Legislativo não pode, ainda, a pretexto de exercer o poder-dever de autotutela, promover a revogação ou anulação de processos de julgamento de contas concluídos em momento distinto, por composição ou legislatura diversa, ou emitir nova decisão política com efeito retroativo quanto a esses julgamentos de contas, pois isso violaria a garantia da segurança jurídica e do ato jurídico perfeito. No entanto, é ressalvada a hipótese de que a regular e a legítima conclusão do julgamento de contas venha a sanar a inobservância de alguma norma procedimental que tenha sido constatada.

Essa é a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada em 2018 pelo então presidente da Câmara Municipal de Alto Paraná, Victor Hugo Rezende Navarrete, por meio da qual questionou se, no caso de os parlamentares serem informados sobre novos fatos por cidadãos, o Poder Legislativo poderia inserir nova matéria no julgamento do chefe do Poder Executivo, sem que ela estivesse abrangida no Parecer Prévio do TCE-PR.

Além disso, ele indagou como deveria ser regulamentado o processo contraditório relativo a esse julgamento; e se eventual irregularidade processual ocorrida anteriormente poderia ser sanada por meio da realização de um novo julgamento, no qual seria garantida a ampla defesa ao gestor.

 

Instrução do processo

A assessoria jurídica da Câmara de Alto Paraná lembrou que o Poder Legislativo tem a função de julgar as contas do Poder Executivo, mas está vinculado ao Parecer Prévio do TCE-PR, o qual somente pode ser desconsiderado pela maioria qualificada de dois terços dos vereadores, no caso do julgamento dos prefeitos. Além disso, a procuradoria legislativa frisou que as garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa são indissociáveis; e que a administração deve anular seus próprios atos quando possuírem alguma ilegalidade.

A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR ressaltou que o Poder Legislativo não pode inserir novas situações na análise das contas do gestor, em razão do caráter obrigatório do parecer do Tribunal de Contas; e que toda informação que seja pertinente à análise das contas deverá ser encaminhada ao TCE-PR, sob pena de inconstitucionalidade.

A unidade técnica destacou que, na hipótese de conhecimento de novos fatos, a via mais adequada é o pedido de rescisão de acórdão do Tribunal, previsto no Regimento Interno do TCE-PR, caso tenha ocorrido a superveniência de novos elementos de prova capazes de desconstituir os anteriormente produzidos.

Finalmente, a CGM lembrou que o Legislativo deve oportunizar ampla defesa e contraditório ao gestor, que deve ser julgado por rito disposto no regimento interno do parlamento que garanta esses direitos; e concluiu que, com base no princípio da autotutela, o Legislativo deverá declarar a nulidade do ato emitido sem que tenham sido garantidos tais direitos, para retomar o julgamento com o devido processo legal.

O Ministério Público de Contas (MPC-PR) afirmou que o Poder Legislativo deverá oportunizar o exercício do direito ao contraditório e à ampla defesa ao prefeito, pois esse direito é assegurado pelo texto constitucional aos litigantes em processo judicial ou administrativo e aos acusados em geral. O órgão ministerial acrescentou que isso deve ocorrer independentemente, inclusive, desse direito estar disciplinado no regimento interno da câmara, na lei orgânica do município ou em lei ordinária específica, já que ele decorre de mandamento constitucional.

 

Legislação

Os incisos LIV e LV do artigo 5º da CF/88 dispõem que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; e que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O artigo 31 da CF/88 estabelece que a fiscalização do município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno desse poder, na forma da lei. O parágrafo 2º desse artigo fixa que o parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da câmara municipal.

O inciso IX do artigo 49 da CF/88 expressa que é de competência exclusiva do Congresso Nacional julgar anualmente as contas prestadas pelo presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo.

O artigo 71 do texto constitucional dispõe que o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete apreciar as contas prestadas anualmente pelo presidente da República, mediante parecer prévio que deverá ser elaborado em 60 dias a contar de seu recebimento - inciso I; e julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público - inciso II.

O parágrafo 2º do artigo 71 da CF/88 fixa que se o Congresso Nacional ou o Poder Executivo, no prazo de 90 dias, não efetivar as medidas previstas para sustar ato ou contrato irregular, o Tribunal de Contas decidirá a respeito. E o parágrafo seguinte (3º) expressa que as decisões do tribunal das quais resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

O artigo 75 da CF/88 estabelece que as normas da seção da Constituição Federal relativa ao tema aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos tribunais de contas dos estados e do Distrito Federal, bem como dos tribunais e conselhos de contas dos municípios. O parágrafo único desse artigo fixa que as constituições estaduais disporão sobre os tribunais de contas respectivos, que serão integrados por sete conselheiros.

O artigo 1º, I, g, da Lei Complementar nº 64/90 estabelece que são inelegíveis, para qualquer cargo, os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos oito anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do artigo 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição.

Por meio do Recurso Extraordinário nº 848826/DF - Tema de Repercussão Geral nº 835 -, o STF fixou a nova tese de que também competiria à câmara municipal o julgamento de contas de gestão de prefeito, mesmo na qualidade de mero ordenador de despesa. No entanto, essa tese prescreve apenas que as câmaras municipais possuem a competência para julgar as contas de gestão de prefeito exclusivamente "para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010", ou seja, tão somente para apreciação da hipótese de inelegibilidade decorrente da "rejeição de contas", ocasião em que deverá igualmente ser apurado se o ato inquinado constitui "irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa".

O STF, no julgamento da ADI 261-9/SC, julgou inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 113 da Constituição do Estado de Santa Catarina, que permitia que contas de prefeito fossem julgadas sem Parecer Prévio do Tribunal de Contas, caso este não emitisse parecer até o último dia do exercício financeiro, por entender que o dispositivo caracterizava violação ao artigo 31 e seus parágrafos da CF/88, bem como inobservância do sistema de controle de contas previsto na Lei Maior.

A jurisprudência do STF é sedimentada no sentido de que a deliberação da câmara de vereadores sobre as contas do chefe do Poder Executivo local deve respeitar o princípio constitucional do devido processo legal.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, lembrou que a Constituição Federal estabeleceu um sistema de controle externo das contas públicas a ser exercido pelo Poder Legislativo, com o auxílio dos Tribunais de Contas, sempre com o apoio do controle interno; e fixou a distinção entre dois tipos de contas, além de atribuir competências e procedimentos distintos para sua análise pelo Legislativo e pelos Tribunais de Contas.

Linhares afirmou que, por força do princípio da simetria, esse mesmo procedimento deverá ser adotado nos estados e municípios, com a responsabilização dos governadores e prefeitos pela prestação de contas anual. Ele acrescentou que, no caso específico do julgamento das contas de governo do prefeito, a Constituição Federal definiu que o Parecer Prévio do Tribunal de Contas sobre as contas anuais só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da câmara municipal.

O conselheiro também frisou que a apreciação das contas de governo do chefe do Executivo pelo Tribunal de Contas é realizada por meio da emissão de Parecer Prévio, que pode opinar pela aprovação, com ou sem ressalva, ou pela desaprovação das contas.

Além disso, o relator destacou que as constituições do Brasil e do Paraná, bem como a Lei Orgânica do Tribunal de Contas, estabelecem, como requisito formal inafastável para o julgamento das contas, e, consequentemente, para julgamento de qualquer questão relativa às contas anuais de chefe de Executivo, o seu exame prévio pelo Tribunal de Contas.

Assim, Linhares concluiu que, por força de requisito constitucional inafastável, o Legislativo não pode inserir fatos não abarcados pelo Parecer Prévio no julgamento das contas de chefe do Executivo, pois isso importaria em supressão do requisito obrigatório de apreciação técnica, mediante emissão de Parecer Prévio pelo Tribunal de Contas, quanto a todas as questões relativas às contas de governo, e seu encaminhamento para o julgamento político do Legislativo. Ele lembrou, ainda, que o exame das contas de governo tem o objetivo central de avaliar o cumprimento das leis orçamentárias, das metas dos planos e programas de governo, bem como o atendimento ao equilíbrio fiscal e demais preceitos da Lei de Responsabilidade Fiscal e seus reflexos na gestão do mandatário.

Linhares também lembrou que a Constituição Federal dispõe que compete aos Tribunais de Contas julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

O relator frisou que, de acordo com o entendimento vigente, os Tribunais de Contas têm a competência exclusiva para julgamento, em definitivo, das contas de gestão de ordenadores de despesa, o que é realizado mediante a emissão de acórdão, que terá força de título executivo caso haja imputação de débito ou aplicação de multa, caracterizando o exercício de uma jurisdição administrativa-sancionatória especializada.

Assim, o relator concluiu que igualmente não há que se falar na possiblidade de o Legislativo inserir novas matérias para julgamento político dessas contas, pois esse poder nem mesmo aprecia tais processos, diversamente do que ocorre nas contas de governo.

Após responder sobre a impossibilidade de inclusão de matérias sobre o Legislativo, Linhares salientou que o Parecer Prévio é encaminhado para o julgamento pelo Legislativo, que emite um juízo político sobre as contas e respectiva gestão, ainda que se paute pela técnica jurídica; e frisou que tal julgamento deve observar o princípio do devido processo legal e do contraditório.

O conselheiro destacou, ainda, que o exercício do poder-dever de autotutela, voltado à anulação de atos irregulares praticados no curso do processo, somente pode ser admitido quando for verificada a inobservância de alguma norma procedimental que deveria ter garantido a regularidade e a legitimidade da conclusão do julgamento de contas a ser emitido.   

Finalmente, o relator ressaltou que, ainda assim, ao interessado restará sempre garantido o controle da legalidade do processo de julgamento pela via judicial, que emitirá juízo técnico e formará coisa julgada sobre os questionamentos, para resguardar a segurança jurídica e freios e contrapesos entre os poderes. Nesses casos, o Poder Judiciário apenas declara a nulidade da decisão, sem substituir a decisão do Legislativo, cujo julgamento deverá ser refeito pelo órgão competente.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão ordinária nº 18/2020 do Tribunal Pleno, realizada em 8 de julho por videoconferência. O Acórdão nº 1482/20 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 28 de julho, na edição nº 2.348 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).O trânsito em julgado da decisão ocorreu e 6 de agosto.

 

Serviço

Processo :

409717/18

Acórdão nº

1482/20 - Tribunal Pleno

Assunto:

Consulta

Entidade:

Câmara Municipal de Alto Paraná

Interessados:

Everton Vasconcelos da Silva e Victor Hugo Razente Navarrete

Relator:

Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares

 

Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR

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