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BID-Regimes de execução

Contratos do BID podem ter regimes de execução não previstos na legislação nacional

É possível a utilização de regimes de execução contratual previstos e disciplinados nas normas e políticas internas do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) que não estejam previstos na legislação nacional, com fundamento no disposto no parágrafo 5º do artigo 42 da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações e Contratos).

Para tanto, a adequação do regime adotado ao objeto contratual deve ser formalmente demonstrada no procedimento licitatório, mediante a apresentação de estudos técnicos, pareceres e informações que indiquem a necessidade e as vantagens de determinado tipo de contrato para cada caso concreto. Além disso, devem ser comprovadas as circunstâncias fáticas, financeiras, jurídicas ou econômicas que motivaram a decisão do gestor; e o atendimento aos demais parâmetros fixados pelo Acórdão nº 3085/17 - Tribunal Pleno do Tribunal de Contas de Estado do Paraná (TCE-PR).

Pode haver a cobrança dos licitantes de valores para aquisição de edital, em razão da incidência de direitos de propriedade intelectual sobre itens nele inseridos, também com base no disposto no parágrafo 5º do artigo 42 da Lei nº 8.666/93, desde que essa seja uma condição expressa do BID para celebração ou continuidade do contrato de financiamento, prevista em suas políticas e procedimentos específicos.

Mas, nesse caso, devem ser expostas as razões fáticas e jurídicas para a escolha de objeto sobre o qual recaiam direitos de propriedade intelectual; e deve ser comprovada, formalmente, a efetiva existência do direito de propriedade intelectual, de seus titulares, das condições de cobrança e da razoabilidade do valor exigido, para demonstrar que não houve prejuízo à ampla disputa.

Os limites estabelecidos nos parágrafos 1º e 2º do artigo 65 da Lei 8.666/93 podem ser ultrapassados apenas em situações excepcionalíssimas, na ausência de culpa do contratante e do contratado, desde que haja compatibilidade com o regime de execução contratado e anuência prévia do organismo financiador, quando exigível. Isso somente é cabível nas hipóteses de alterações contratuais consensuais, qualitativas e excepcionalíssimas de contratos de obras e serviços, observados os princípios da finalidade, da razoabilidade e da proporcionalidade, além dos direitos patrimoniais do contratante privado, desde que sejam preenchidos cumulativamente seis requisitos.

Os cinco primeiros requisitos referem-se a alteração que não acarrete para a administração encargos contratuais superiores aos decorrentes de uma eventual rescisão contratual por razões de interesse público, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório; não possibilite a inexecução contratual, até mesmo pela capacidade técnica e econômico-financeira do contratado; decorra de fatos supervenientes que impliquem dificuldades não previstas ou imprevisíveis na contratação inicial; não ocasione a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos; e seja necessária à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes.

O sexto requisito diz respeito à demonstração, na motivação do auto que autorizar o aditamento contratual, de que a rescisão contratual, com nova licitação para outra contratação, sacrificaria ou seria gravíssima ao interesse coletivo a ser atendido pela obra ou serviço, inclusive quanto à sua urgência e emergência.

Vale lembrar que as alterações contratuais quantitativas e as unilaterais qualitativas estão sujeitas aos limites estabelecidos nos parágrafos 1º e 2º do artigo 65 da Lei 8.666/93, em face do respeito aos direitos do contratado, conforme prescrito no artigo 58, I, da Lei de Licitações e Contratos; do princípio da proporcionalidade; e da necessidade de esses limites serem obrigatoriamente fixados em lei.

As despesas reembolsáveis no âmbito das contratações de consultores deverão ser pagas frente aos gastos efetivamente realizados, contra a apresentação de recibos, de acordo com as regras do item 2.26 da GN-2350-15 do BID.  O reembolso deve observância às peculiaridades dos modelos de seleção, os métodos de avaliação das propostas e o tipo de contrato adotado em cada situação concreta.

Portanto, o contratante deve promover estudos sobre a legislação nacional e os acordos internacionais quanto à tributação, para identificar os tributos incidentes sobre os serviços dos consultores e as repercussões sobre os pagamentos decorrentes do contrato.

Caso haja uma convenção coletiva que determine a concessão de auxílio-alimentação e estabeleça pagamento adicional dessa verba ao pessoal em deslocamento, ou alojado no local da prestação dos serviços, os custos de tais obrigações trabalhistas deverão constar da proposta da licitante.

Assim, durante a execução contratual, a fiscalização do pagamento dos vencimentos deverá aferir a efetiva vigência e aplicabilidade das disposições da convenção coletiva, além de zelar para que o eventual subsídio adicional contemple apenas o pessoal comprovadamente deslocado do usual local de trabalho, ou alojado em caráter temporário em localidade distinta de seu domicílio.

Além disso, se houver concessão de diária a empregados em deslocamento com custeio de refeição incluído, o valor desse custeio deverá ser descontado do vale-alimentação ou refeição, para que não ocorra o pagamento em duplicidade.

A fiscalização dos vencimentos dos funcionários alocados para prestação de serviços deve obedecer não só as condições impostas nas políticas do organismo multilateral, mas também ser pautada pelos princípios constitucionais da administração pública em suas seleções e contratações; especialmente os da economicidade, da moralidade e da eficiência.

Essa é a orientação do Pleno do TCE-PR, em resposta à Consulta formulada pelo diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná (DER-PR), Fernando Furiatti Saboia, por meio da qual questionou, em relação aos contratos com o BID, sobre a possibilidade de utilização de modalidade de contratação que não esteja prevista na legislação nacional, mas que esteja disciplinada nas normas e políticas internas do organismo financeiro multilateral.

O consulente também perguntou, em relação a esses contratos, se seria possível exigir dos licitantes o pagamento para aquisição de edital, em razão de direitos de propriedade intelectual; e se os limites estabelecidos nos parágrafos 1º e 2º do artigo 65 da Lei 8.666/93 poderiam ser ultrapassados. Além disso, ele indagou sobre os pagamentos de reembolso de despesas e de vale-alimentação.

 

Instrução do processo

A Coordenadoria de Auditorias (CAUD) do TCE-PR afirmou que é juridicamente possível a utilização de regime de execução contratual que não esteja previsto na legislação nacional e a cobrança pelo edital em decorrência de incidência de direitos de propriedade intelectual, desde que constitua uma exigência expressa do BID.  

A unidade técnica ressaltou que também pode-se ultrapassar os limites preestabelecidos nos parágrafos 1º e 2º do artigo 65 da Lei 8.666/93, em situações excepcionalíssimas, desde que haja compatibilidade com o regime de execução do contratado e anuência prévia do organismo financiador quando exigível, respeitados os requisitos elencados na resposta do Tribunal à Consulta.

A CAUD também destacou que pode ocorrer o reembolso de despesas mediante a apresentação dos recibos dos gastos efetuados por consultores contratados; e o pagamento de vale-alimentação previsto em convenção coletiva.

A Coordenadoria de Gestão Estadual (CGE) e a Terceira Inspetoria de Controle Externo (3ª ICE) do TCE-PR, assim como o Ministério Público de Contas (MPC-PR), concordaram com o posicionamento da CAUD.

 

Legislação e jurisprudência

O inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal dispõe que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

O parágrafo 5º do artigo 32 da Lei nº 8.666/93 estabelece que não se exigirá, para a habilitação de licitante, prévio recolhimento de taxas ou emolumentos, salvo os referentes a fornecimento do edital, quando solicitado, com os seus elementos constitutivos, limitados ao valor do custo efetivo de reprodução gráfica da documentação fornecida.

O parágrafo 5º do artigo 42 da Lei de Licitações e Contratos expressa que, em contratações com emprego de recursos provenientes de organismo financeiro multilateral de que o Brasil seja parte, poderão ser admitidas, na respectiva licitação, as normas e procedimentos daquela entidade, desde que se sejam exigidas para a obtenção do financiamento ou da doação e que não conflitem com o princípio do julgamento objetivo.

O inciso I do artigo 58 da Lei nº 8.666/93 dispõe que o regime jurídico dos contratos administrativos confere à administração a prerrogativa de modificá-los, unilateralmente, para melhor adequação às finalidades de interesse público, respeitados os direitos do contratado.

O parágrafo 1º do artigo 65 da Lei 8.666/93 fixa que os contratos regidos pela Lei de Licitações e Contratos poderão ser alterados, com as devidas justificativas e nas mesmas condições contratuais, no caso de acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% do valor inicial atualizado do contrato, e, particularmente em reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% para os seus acréscimos. O parágrafo seguinte (2º) expressa que nenhum acréscimo ou supressão poderá exceder os limites estabelecidos no parágrafo anterior, salvo as supressões resultantes de acordo celebrado entre os contratantes.

O item 2.4 da norma GN-2350-15 do BID fixa que o mutuário deve preparar uma estimativa de custo cuidadosa, pois tal medida é essencial para a distribuição realista de recursos orçamentários. Essa estimativa de custo deverá ser baseada na avaliação feita pelo próprio mutuário dos recursos necessários à execução do serviço: tempo de pessoal, apoio logístico e insumos físicos, como veículos e equipamento de laboratório. Além disso, quanto ao custo de tempo de pessoal, o dispositivo estabelece que deverá ser calculado em bases realistas para o pessoal estrangeiro e nacional.

O item 2.26 da GN-2350-15 regula as formas de pagamento das despesas reembolsáveis e fornece regras adequadas para o tratamento dessas despesas pelo mutuário consulente, o qual deverá primar pela economicidade, transparência e razoabilidade dessas despesas em eventuais contratações, com a fixação de tetos unitários e valores adequados de diárias, sem prejuízo da exigência das respectivas notas e recibos idôneos comprobatórios dessas despesas, de modo a resguardar o erário de ônus excessivos.

Esse mesmo item trata sobre a forma de tributação; e dispõe que as negociações do preço devem incluir esclarecimentos a respeito da responsabilidade do consultor pelo pagamento de impostos do país do mutuário, se houver, e de que modo essa responsabilidade tributária se refletiu ou se refletirá no contrato.

O item 3 da GN-2349-15 fixa que, no caso de contratos sujeitos a revisão, antes de conceder uma prorrogação substancial do prazo estipulado para a execução de um contrato ou aceitar uma modificação ou dispensa das suas condições, que em conjunto elevem o montante original do contrato em mais de 15% do preço original, o mutuário deve solicitar ao BID a sua anuência à prorrogação proposta ou modificação ou ordem de mudança.

Se o banco concluir que a proposta não está de acordo com as disposições do contrato de empréstimo ou do plano de aquisições, deve informar ao mutuário o quanto antes, com a indicação das razões. O mutuário deve enviar ao BID, para seus arquivos, uma cópia de todos os adendos efetuados aos contratos.

O Acórdão nº 3085/17 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 729560/16) estabelece que é possível a aplicação, pela administração, de modelos e regimes de contratação impostos por organismos internacionais de crédito dos quais o Brasil seja um país membro, naquilo que não conflitarem com os dispositivos constitucionais e com o princípio do julgamento objetivo.

A Resolução nº 3872/95 do TCE-PR dispõe sobre a possibilidade de realização de contratações que obedeçam a regras licitatórias determinadas por organismo financiador externo, em contrariedade às normas da Lei nº 8.666/93. Para tanto, é necessário que as condições sejam indispensáveis à concessão do financiamento com recursos externos; sejam estabelecidas de forma motivada no edital, com sua clara e precisa indicação; e não afrontem os princípios de administração pública.

 

Decisão

O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, entendeu que, com base nos precedentes do TCE-PR e na legislação, é possível a utilização de regimes de execução contratual previstos e disciplinados nas normas e políticas internas do BID que não estejam previstos na legislação nacional. Mas ressaltou que deve ser comprovada a adequação do regime e as circunstâncias inerentes a cada caso concreto que justifiquem a exceção.

Linhares também lembrou que a aplicação da disposição do parágrafo 5º do artigo 42 da Lei nº 8.666/93 possibilita o afastamento da vedação expressa no parágrafo 5º do artigo 32 dessa mesma lei, em razão da incidência de direitos de propriedade intelectual, quando decorrente de exigência do organismo financeiro multilateral.

O conselheiro frisou que é possível ultrapassar os limites estabelecidos nos parágrafos 1º e 2º do artigo 65 da Lei 8.666/93, em situações excepcionalíssimas, na ausência de culpa do contratante e do contratado, desde que haja compatibilidade com o regime de execução contratado e anuência prévia do organismo financiador quando exigível, mediante a adequada comprovação do atendimento das condições cumulativas.

O relator afirmou que as verbas obtidas por meio de financiamento junto ao BID decorrem de uma operação de crédito aprovada pelo Senado Federal e garantida pela União; e, portanto, seus valores passam a integrar o orçamento público do Estado do Paraná, já que as amortizações serão realizadas com recursos do erário estadual.

Ele explicou que, consequentemente, os pagamentos das despesas reembolsáveis não devem atender apenas às políticas e procedimentos estabelecidos pelo BID, mas também aos princípios constitucionais da administração pública; em especial, à moralidade, à eficiência, à economicidade, à busca à proposta mais vantajosa e, subsidiariamente, aos princípios previstos na Lei nº 8.666/93.

Linhares salientou, ainda, que a fiscalização dos vencimentos dos funcionários alocados para prestação de serviços deverá obedecer às condições impostas nas políticas do organismo multilateral e ser pautada pelos princípios constitucionais da administração pública em suas seleções e contratações; especialmente os da economicidade, da moralidade e da eficiência.

Finalmente, o conselheiro afirmou que a concessão de auxílio-alimentação e seu adicional por deslocamento ou alojamento deve ter seus custos constantes na proposta da licitante; e que se o benefício for concedido por meio de diária, deve ser descontado do auxílio.

Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, na sessão ordinária nº 11/2021 do Tribunal Pleno, realizada por videoconferência em 5 de maio. O Acórdão nº 931/21 foi disponibilizado em 13 de maio, na edição nº 2.538 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC).

 

Serviço

Processo :

512716/20

Acórdão nº

931/21 - Tribunal Pleno

Assunto:

Consulta

Entidade:

Departamento de Estradas de Rodagem do Estado do Paraná

Interessado:

Fernando Furiatti Saboia

Relator:

Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares

 

Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR

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