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Jurisprudência
Município não pode contratar empresa de gestão "outsourcing" de medicamentos
Não é possível a contratação de empresa especializada no fornecimento de sistema informatizado para a gestão de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos ao sistema de saúde municipal. A razão é que isso representaria violação às disposições do artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal (CF/88) e da legislação regente aplicável às licitações e aos contratados administrativos.
A quarteirização (outsourcing) dos serviços de gestão e fornecimento de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos não é possível, pois configura a exclusão do processo licitatório da fase da contratação pública, o que não é permitido pelo ordenamento jurídico brasileiro. Outsourcing é o mecanismo de gestão por meio do qual uma empresa ou órgão público contrata serviços ou recursos de uma empresa externa, em vez de mantê-los internamente.
Além desse modelo de contratação ser inconstitucional, não existe qualquer estudo técnico capaz de comprovar que ele garante melhor eficiência, fornecimento de medicamentos padronizados a todas as unidades de saúde do município, disponibilidade imediata de medicamentos emergenciais e redução da necessidade de suprimento de fundos para fazer frente a compras emergenciais.
Esta é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Contenda (Região Metropolitana de Curitiba), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de contratação de empresa especializada no fornecimento de sistema informatizado com rede credenciada para gestão e controle de estoque das farmácias e hospitais, para o fornecimento de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos.
Instrução do processo
A Coordenadoria de Gestão Municipal (CGM) do TCE-PR afirmou que a contratação de empresa especializada no fornecimento de sistema informatizado para a gestão de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos ao sistema de saúde do município viola as disposições do artigo 37, inciso XXI, da CF/88 e da legislação aplicável às licitações e aos contratados administrativos.
A unidade técnica ressaltou quem não existe qualquer estudo técnico capaz de comprovar que tal modelo garanta melhor eficiência, fornecimento de medicamentos padronizados a todas as unidades de saúde do município, disponibilidade imediata de medicamentos emergenciais e redução da necessidade de suprimento de fundos para fazer frente a compras emergenciais.
A Coordenadoria de Acompanhamento de Atos de Gestão (CAGE) do TCE-PR ratificou o entendimento da CGM. Ela destacou que, no modelo questionado, os produtos de saúde a serem adquiridos não são licitados, o que contraria as disposições constitucionais e infraconstitucionais sobre licitações e contratos para a administração pública.
A CAGE frisou que a aquisição de medicamentos e demais produtos de saúde pela administração, em todas as suas etapas - do planejamento e programação, à aquisição e efetiva dispensação -, é atividade-fim do município.
Além disso, a unidade técnica salientou a obrigação legal, confirmada em jurisprudência do TCE-PR com força normativa, em relação à consulta a uma multiplicidade de fontes informativas quando da pesquisa de preços para as compras públicas; e, para medicamentos, a obrigatoriedade de consulta ao Banco de Preços em Saúde (BPS).
Assim, a CAGE entendeu que, aliada a um bom e prévio planejamento da contratação, a utilização do Sistema de Registro de Preços (SRP) é suficiente para atender as peculiaridades das compras públicas de medicamentos.
O Ministério Público de Contas do Paraná (MPC-PR) concordou com as unidades técnicas; e acrescentou que a aquisição de medicação pela administração pública deve ser realizada diretamente, sem intermediários, nos moldes previstos pela legislação de regência.
Legislação e jurisprudência
O artigo 37, inciso XXI, da CF/88 dispõe que, ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure a igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O artigo 196 do texto constitucional estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
O artigo seguinte (197) expressa que são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao poder público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou por meio de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
O artigo 198 da CF/88 dispõe que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes: descentralização, com direção única em cada esfera de governo; atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; e participação da comunidade.
O inciso II do artigo 2º da Lei nº 14.333/21 (Nova Lei de Licitações e Contratos) dispõe que a lei se aplica à compra por encomenda, inclusive. O artigo 5º expressa que, na aplicação desta lei, serão observados os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade, da eficiência, do interesse público, da probidade administrativa, da igualdade, do planejamento, da transparência, da eficácia, da segregação de funções, da motivação, da vinculação ao edital, do julgamento objetivo, da segurança jurídica, da razoabilidade, da competitividade, da proporcionalidade, da celeridade, da economicidade e do desenvolvimento nacional sustentável, assim como as disposições do Decreto-Lei nº 4.657/42 (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).
O Acórdão nº 2630/18 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 467594/17) estabelece que não é viável o credenciamento de farmácias particulares para fornecimento à população de medicamentos que não são distribuídos diretamente na farmácia básica municipal, por meio de inexigibilidade de licitação, pois não estão presentes os requisitos da inviabilidade de competição e da não existência de interesses excludentes entre os possíveis contratantes.
Ainda de acordo com esse acórdão, para a aquisição desses medicamentos, que não podem ser mantidos em estoque, o recomendável é a utilização do Sistema de Registro de Preços, por meio da modalidade pregão. Assim, é possível o registro de preços de diversos itens por meio de uma única licitação, para aquisição futura e entrega parcelada, resultando na melhor contratação para a administração pública.
O Acórdão nº 1393/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Consulta nº 602061/18) expressa que, na formação do preço máximo de licitação para aquisição de medicamentos, os municípios devem obrigatoriamente consultar o Banco de Preços em Saúde (BPS), utilizando como parâmetro o valor da média ponderada, e adotar o Código BR para a identificação dos itens. Além disso, devem consultar outras fontes de pesquisa para formação do preço de referência, como o Comprasnet (federal) e o Ccomprasparaná (estadual), e cotar diretamente junto a fornecedores.
Esse acórdão também fixa que a administração municipal deve estabelecer uma cesta de preços aceitáveis e analisá-la de forma crítica, especialmente quando houver grande variação entre os valores apresentados. Todas as consultas realizadas devem constar de forma expressa, detalhada e justificada no procedimento administrativo utilizado para a definição do preço de referência.
Por meio do Acórdão nº 1393/19 - Tribunal Pleno do TCE-PR (Processo nº 630802/23), a Corte determinou ao Município de Rio Bom (Região Central) que anulasse licitação referente ao registro de preços para futura e eventual contratação de empresa especializada para fornecer, por meio de outsourcing, medicamentos e insumos farmacêuticos, insumos médico-hospitalares e odontológicos, com a utilização de solução informatizada customizada.
A decisão fora tomada no processo em que os conselheiros do TCE-PR julgaram procedente Representação da Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21) formulada pela CAGE do Tribunal, em razão da inadequação do outsourcing para a aquisição de medicamentos.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivan Bonilha, concordou com as manifestações das unidades técnicas do TCE-PR e do MPC-PR em relação à resposta negativa à Consulta. Ele considerou que a contratação de empresa especializada no fornecimento de sistema informatizado para a gestão de medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos ao sistema de saúde do município viola as disposições do artigo 37, XXI, a Constituição Federal e da legislação regente aplicável às licitações e aos contratos administrativos.
Bonilha explicou que no modelo negocial proposto pelo consulente duas relações jurídicas são formadas. Em um primeiro momento, o poder público instaura procedimento licitatório para contratação de empresa especializada na gestão de medicamentos, mediante remuneração por meio de uma taxa de administração. E, em um segundo momento, a empresa contratada estabelece rede credenciada de farmácias interessadas no fornecimento de insumos à administração pública, responsabilizando-se pela intermediação da compra desses insumos.
Assim, o conselheiro entendeu que nesse caso é criada a figura do intermediário entre a administração pública e as empresas interessadas no fornecimento dos produtos, sendo que somente a taxa de administração pactuada com o intermediário é licitada e não há qualquer disputa pública de preços quanto aos produtos que a administração realmente pretende adquirir.
Portanto, o relator concluiu que esse modelo de contratação procura escapar do modelo eleito pelo ordenamento jurídico para a realização da aquisição de medicamentos pela administração pública, a licitação, pois seria licitada apenas a contratação da empresa intermediadora.
Bonilha ressaltou que o administrador público não pode relativizar a imposição do texto constitucional e da ordem legal, abrindo mão da licitação para a realização de compras, pois o procedimento licitatório foi criado para garantir a observância dos princípios dos quais ele não pode se distanciar.
Além disso, o conselheiro lembrou que a aquisição de medicamentos e demais produtos de saúde pela administração pública municipal em todas as suas etapas é atividade-fim, que deve ser realizada exclusivamente pelo município.
O relator também destacou que o ordenamento jurídico já possui solução capaz de atender de modo satisfatório as necessidades da administração pública no que se refere ao procedimento utilizado para a aquisição de medicamentos, por meio do Sistema de Registro de Preços.
Bonilha frisou, ainda, que a aquisição de produtos de saúde deve ser precedida pelo planejamento da compra e elaboração de um estudo técnico preliminar, incluindo a formação dos preços. Ele reforçou que a pesquisa de preços deve abranger múltiplas fontes, incluindo a consulta obrigatória ao BPS, bancos de preços públicos, resultados de licitações anteriores realizadas com o mesmo objeto, entre outras possibilidades.
Assim, o conselheiro concluiu que o modelo questionado incentivaria a realização de compras frequentes e em pequenas quantidades, o que prejudicaria o planejamento anual de aquisições e a economia de escala, fator importante na busca da economicidade; e representaria o afastamento indevido da casuística legal que permite a dispensa da licitação para casos distintos.
Além disso, o relator entendeu que a contratação questionada desprezaria o modelo legal e jurisprudencial da pesquisa de preços em produtos de saúde; e prejudicaria o controle externo e o controle social das compras de medicamentos realizadas, em razão da ofensa à transparência.
Os conselheiros aprovaram o voto do relator por unanimidade, por Sessão Ordinária nº 22/24 do Tribunal Pleno do TCE-PR, realizada presencialmente em 10 de julho. O Acórdão nº 1922/24, no qual está expressa a decisão, foi disponibilizado em 19 de julho, na edição nº 3.254 do Diário Eletrônico do TCE-PR. O trânsito em julgado da decisão ocorreu no dia 30 de julho.
Serviço
Processo nº: |
636412/22 |
Acórdão nº |
1922/24 - Tribunal Pleno |
Assunto: |
Consulta |
Entidade: |
Município de Contenda |
Relator: |
Conselheiro Ivan Lelis Bonilha |
Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR
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