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Jurisprudência
Ente pode compensar débitos com PJ de direito público com precatórios de terceiros
É juridicamente possível a utilização, por ente público, de precatório adquirido de terceiro para a compensação de débitos existentes perante outra pessoa jurídica de direito público. Para tanto, deve haver lei local do ente devedor do precatório que admita a operação, comum acordo entre os entes e observância da ordem prioritária de amortização.
A lei que admitir a operação deve tratar, inclusive, de operações envolvendo a União, em razão da decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) tomada no processo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7047. A ordem prioritária de amortização é aquela fixada pelo artigo 100, parágrafo 22, da Constituição Federal (CF/88).
A eventual aquisição de precatórios deve ser realizada por meio de licitação na modalidade pregão, por tratar-se de bem de natureza comum; e deve ser adotado o critério de julgamento do menor preço ou o maior desconto - artigo 6º, inciso XLI, da Lei nº 10.520/02 (Lei do Pregão) e artigo 29 da Lei nº 14.133/21 (Lei de Licitações e Contratos).
Além disso, deve ser previamente demonstrada no procedimento a viabilidade jurídica da utilização dos precatórios a serem adquiridos para a compensação de créditos pretendida, mediante comprovação do atendimento aos requisitos anteriormente elencados.
Essa é a orientação do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR), em resposta à Consulta formulada pelo Município de Jacarezinho (Norte Pioneiro), por meio da qual questionou sobre a possibilidade de comprar créditos previdenciários com decisão transitada em julgado -autorizados judicialmente para compensação de terceiros - para compensação de débitos junto ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS); e qual seria a modalidade de contratação para a aquisição desses precatórios.
Instrução do processo
Em seu parecer, a assessoria jurídica do consulente afirmou que o município poderia adquirir créditos previdenciários com decisão transitada em julgado, com deságio, para compensação junto ao INSS de débito próprio; e que esses créditos poderiam ser objeto de contratação por meio de pregão eletrônico.
O Ministério Público de Contas (MPC-PR) entendeu que é juridicamente possível a utilização, pelo ente público, de precatório adquirido de terceiro para a compensação com débitos existentes perante outra pessoa jurídica de direito público, desde que satisfeitos os requisitos de existência de lei local do ente devedor do precatório que admita a operação, comum acordo entre os entes e observância da ordem prioritária de amortização.
O órgão ministerial reforçou que a eventual aquisição de precatórios deve ser realizada por meio de processo licitatório, admitida a modalidade pregão, por se tratar de bem de natureza comum, adotando-se como critério de julgamento o menor preço ou maior desconto.
Legislação e jurisprudência
O Acordo Direto de Precatórios foi instituído pela Lei Estadual nº 17.082/12, que regulamentou o disposto no artigo 97, parágrafo 8º, III, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) da Constituição Federal (CF/88). Essa lei estabeleceu que três possibilidades de acordos podem ser definidas pelo Governo do Paraná: o pagamento com deságio em percentual fixo, com oferta de deságio maior ou com a alteração dos critérios de readequação do valor nominal da dívida.
O artigo 97 do ADCT da CF/88 fixa as normas para que os estados, o Distrito Federal e os municípios que estejam em atraso na quitação de precatórios vencidos, relativos às suas administrações direta e indireta, façam esses pagamentos.
O parágrafo 8º, inciso III, desse artigo estabelece que ato do Poder Executivo poderá formalizar a opção para aplicação dos recursos destinados a pagamento por acordo direto com os credores, na forma estabelecida por lei própria da entidade devedora, que poderá prever criação e forma de funcionamento de câmara de conciliação.
O artigo 100 da CF/88 estabelece que os pagamentos devidos pelas fazendas públicas federal, estaduais, distrital e municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
O parágrafo 13 desse artigo dispõe que o credor poderá ceder, total ou parcialmente, seus créditos em precatórios a terceiros, independentemente da concordância do devedor.
A Emenda Constitucional (EC) nº 113/21 inseriu os parágrafos 11, 21 e 22 ao artigo 100 da CF/88.
O inciso I do parágrafo 11 do artigo 100 da CF/88 expressa que é facultada ao credor, conforme estabelecido em lei do ente federativo devedor, a oferta de créditos líquidos e certos que originalmente lhe são próprios ou adquiridos de terceiros reconhecidos pelo ente federativo ou por decisão judicial transitada em julgado para a quitação de débitos parcelados ou débitos inscritos em dívida ativa do ente federativo devedor, inclusive em transação resolutiva de litígio, e, subsidiariamente, débitos com a administração autárquica e fundacional do mesmo ente.
O parágrafo 21 desse artigo do texto constitucional fixa que ficam a União e os demais entes federativos, nos montantes que lhes são próprios, desde que aceito por ambas as partes, autorizados a utilizar valores objeto de sentenças transitadas em julgado devidos a pessoa jurídica de direito público para amortizar dívidas, vencidas ou vincendas. O inciso III prevê a possibilidade de utilização desses valores nos parcelamentos de tributos ou de contribuições sociais.
O parágrafo seguinte (22) dispõe que a amortização de que trata o parágrafo 21 deste artigo, nas obrigações vencidas, será imputada primeiramente às parcelas mais antigas; e nas obrigações vincendas, reduzirá uniformemente o valor de cada parcela devida, mantida a duração original do respectivo contrato ou parcelamento.
O inciso XLI do artigo 6º da Lei nº 10.520/02 define pregão como a modalidade de licitação obrigatória para aquisição de bens e serviços comuns, cujo critério de julgamento poderá ser o de menor preço ou o de maior desconto.
O artigo 29 da Lei nº 14.133/21 estabelece que a concorrência e o pregão seguem o rito procedimental comum, adotando-se o pregão sempre que o objeto possuir padrões de desempenho e qualidade que possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações usuais de mercado.
O inciso II do artigo 156 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que o instituto da compensação representa modalidade de extinção do crédito tributário.
O artigo 170 do CTN estabelece que a lei pode, nas condições e sob as garantias que estipular, ou cuja estipulação em cada caso atribuir à autoridade administrativa, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda pública.
O parágrafo único desse artigo fixa que, sendo vincendo o crédito do sujeito passivo, a lei determinará, para os efeitos deste artigo, a apuração do seu montante, não podendo, porém, cominar redução maior que a correspondente ao juro de 1% ao mês pelo tempo a decorrer entre a data da compensação e a do vencimento.
O artigo seguinte (170-A) expressa que é vedada a compensação mediante o aproveitamento de tributo, objeto de contestação judicial pelo sujeito passivo, antes do trânsito em julgado da respectiva decisão judicial.
O artigo 82 da Lei nº 10.406/02 (Código Civil) dispõe que são móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia, sem alteração da substância ou da destinação econômico-social. O artigo seguinte (83) estabelece que se consideram móveis, para os efeitos legais, as energias que tenham valor econômico; os direitos reais sobre objetos móveis e as ações correspondentes; e os direitos pessoais de caráter patrimonial e respectivas ações.
Em decisão tomada no processo de Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7047, o STF confirmou que a ordem prioritária de amortização é aquela fixada pelo artigo 100, parágrafo 22, da Constituição Federal.
Decisão
O relator do processo, conselheiro Ivens Linhares, acompanhou o posicionamento do MPC-PR como razão de decidir. Ele explicou que a Emenda Constitucional nº 113/21, que inseriu os parágrafos 11, 21 e 22 ao artigo 100 da CF/88, reconheceu de maneira ampla a possibilidade de utilização de precatórios como crédito para a quitação de débitos inscritos em dívida ativa do ente devedor. Mas ele frisou que tal operação ficou condicionada à regulamentação da matéria em lei local.
Linhares destacou que, a partir da vigência da EC nº 113/21 e do julgamento da ADI nº 7047 pelo STF, tornou-se possível a utilização, pelos entes públicos, de precatórios federais adquiridos de terceiros para a quitação de débitos junto a outra pessoa jurídica de direito público, como o INSS, desde que exista lei federal autorizadora, haja acordo mútuo e seja observada a ordem de quitação prioritária do artigo 100, parágrafo 22, da Constituição.
O conselheiro lembrou que o CTN estipula a necessidade de previsão legal expressa para autorizar a compensação de créditos tributários com outros créditos, líquidos e certos, titularizados pelo devedor em face da Fazenda Pública; e veda o aproveitamento de créditos discutidos em ação judicial anteriormente ao trânsito em julgado da demanda.
O relator frisou que o termo "quitação" deveria ser substituído por "amortização", não apenas para guardar integral correspondência com a redação do parágrafo 22 do artigo 100 da Constituição Federal, mas, também, para evitar qualquer risco de equívoco interpretativo com a referência à ordem cronológica de pagamento dos precatórios.
Linhares explicou que os precatórios são direitos creditórios, equiparados a bens móveis pelos Código Civil, a que se soma sua natureza de bem comum, de modo que sua aquisição deverá ser antecedida de procedimento licitatório na modalidade pregão, adotando-se como critério de julgamento o menor preço ou o maior desconto.
Finalmente, o relator afirmou que o procedimento licitatório deverá conter a demonstração da viabilidade jurídica da utilização dos precatórios a serem adquiridos para a compensação de créditos, mediante comprovação dos requisitos de existência de lei do ente devedor autorizando a operação e da existência de acordo prévio.
Os conselheiros aprovaram por maioria absoluta o voto do relator, após a apresentação de voto divergente pelo conselheiro Maurício Requião, por meio da Sessão Ordinária nº 13/24 do Plenário Virtual do Tribunal Pleno do TCE-PR, concluída em 18 de julho. O Acórdão nº 2103/24 - Tribunal Pleno foi disponibilizado em 26 de julho, na edição nº 3.259 do Diário Eletrônico do TCE-PR (DETC). O trânsito em julgado da decisão ocorreu em 6 de agosto.
Serviço
Processo nº: |
209569/23 |
Acórdão nº |
2103/24 - Tribunal Pleno |
Assunto: |
Consulta |
Entidade: |
Município de Jacarezinho |
Relator: |
Conselheiro Ivens Zschoerper Linhares |
Autor: Diretoria de Comunicação SocialFonte: TCE/PR
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